Dentre as coisas que eu fiz na vida que me deixou encabulado foi a de servir de parteiro. Embora não intervindo diretamente, mas contribuindo sensivelmente para que dois brasileiros viessem ao mundo. Isto aconteceu na cidade de Cansanção. Fui chamado, não sei porquê, pois sou topógrafo, para dar assistência a uma parturiente distante, mais ou menos 01 km da cidade. Lá chegando fiquem sem saber o que fazer pois nada entendia do assunto. Como no Nordeste não havia assistência médica e o nordestino vive em completa miséria, ali estava eu para o que desse ou viesse. Existia na cidade um farmacêutico que por força das circunstâncias se passava por médico. Fui até ele. Já acostumado com estas situações me disse: “Procure saber quantos dedos faltam para coroar. Quando estiver com dois dedos, fosse lá que ele daria um jeito”. Era engraçado. Me recostei a uma árvore em frente à casa e pergunta de vez em quando: “Quantos dedos? ...” Eu já estava ansioso por aqueles dois dedos desejados. Até que deram a notícia, aqueles dois dedos almejados estava no ponto e a mulher estava preparada para a etapa final. Procurei o farmacêutico que me deu uma injeção par que aplicasse na parturiente. Isso feito, dentro de cinco minutos, ouvimos o choro forte da criança que estava vindo ao mundo para a luta pela sobrevivência da vida e enfrentar todas as dificuldades do tempo naquela região nordestina.
Eu visitava sempre aquela família para saber como ia passado o meu amigo. Com mais ou menos três meses procurei saber, estava doente. Perguntei à mãe: “Já deu algum remédio:” “Dei chá de mosca”. A princípio fiquei calmo pois pensei de tratar-se de uma plantinha qualquer. Desconfiado perguntei: “Que mosca?” Ela me disse: “Dessas que passa aí voando”. Quase caí de costas. Não houve na farmácia de meu amigo uma remédio que melhorasse a saúde da criança e em três dias o óbito acontecia. A vida do nordestino estava encerrada mesmo antes de se preparar para a grande jornada, mesmo antes de a ter conhecido, se foi.
O segundo caso foi nos idos de 55, quando ainda residia naquela cidade, foi procurado por um rapaz com mais ou menos 20 anos cuja mulher estava com dores de parto. Procurei logo orientação ao farmacêutico e ele me disse: “Vá lá e quando tiver com o coramento de dois dedos, venha aqui que dou um jeito”. Quatro horas da manhã saímos de bicicleta, pois era o meu transporte da época. A casa do rapaz ficava a uns quatro quilômetros da cidade. Chegando à casa da parturiente, fui logo fazendo a clássica pergunta: “Quantos dedos tem de coroamento:” Pela resposta vi que ia demorar. Lá estavam muitas mulheres. De repente uma delas disse: “Por que não chamam a Preta Velha:...” Escolheram uma idosa que acendeu dois cachimbos: m para si e outra para a médium. Estava assim reunida uma sessão espírita em plena madrugada sertaneja. A entidade espiritual foi objetiva: “O parto está sem problema, é questão de tempo. Dê um mingau de cachorro para esquentar a parturiente e o menino. Quanto ao doutor que está aí, nada a fazer, porque ele nada conhece do assunto”. Quando o dia vinha clareando, chamaram-me no quarto. Ali encontrei a mulher na posição de dar luz. Era jovem e morena e, com as pernas escancaradas, eu vi que não havia tempo de medir nada. A criança já aflorava sem o menor sacrifício, uma velha agoniada dizia: “Olha aí doutor!” Eu, pai de três filhos, jamais tinha me achado num quadro daquele. Foi quando vendo minha imobilidade, aparou ou amparou a criança. Nessa hora, o sol com seus raios rubros invadiu a casa rústica do sertão como querendo saudar o pequeno nordestino, que se não tomou chá de mosca, está hoje a revolver o solo causticante do Nordeste pela sobrevivência da vida.
Saravah meu pai.
Obs: O filme que me vem à lembrança é “Vidas em Jogo”.
Imagens: foto 01 (http://www.ferias.tur.br/localidade/493/cansancao-ba.html); http://amigodemontaigne.blogspot.com/2007_02_01_archive.html
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