5 de dez. de 2007

Pinga no Meu que Eu Pingo no Teu

Certa feita estava fazendo um serviço de topografia dentre da mata e como não tinha casa por perto, pois era uma área deserta, fizemos um fogo, ou melhor , diversos, pois tínhamos que dormir em rede a céu aberto. O fogo tinha outras vantagens: proteção contra o frio e a onça, além de iluminar a mata. A companhava-me nesse serviço um filho de 15 anos e uma turma de trabalhadores e foiceiros que abriam a picada. Durante a tardinha meu filho já me pregava um susto com a espingarda que tomou emprestada para caçada. Como não acertava um tiro se quer, ele encheu a dita cuja até o meio do cano e quando viu o primeiro passarinho, tacou fogo. Não outra coisa: a espingarda estourou no meio e foi chumbo pra todo lado. Quando vejo, lá vem ele gritando com o rosto ensangüentado. Foram ferimentos leves e como não tinha medicamento o jeito era lavar a cara e ir dormir.

Na hora do “rango” eu já estava em minha rede e os trabalhadores asando carne e outros comendo. Em volta de nós a escuridão da mata deserta, quando de repente ouvimos passos de um animal que abria passagem por dentro do matagal fazendo uma zoada terrível, quebrando paus que dava para escutar os estalos. Escutei aquela coisa e percebi os homens calados em silêncio absoluto.

Ouvia-se apenas o ruído do bicho e nada mais. Rompi o silêncio e perguntei: - Vocês ouviram? ... Eles começaram a gritar insultando a fera a pretexto de afugentá-la. Tivemos sorte porque ela desviou seu destino e minutos depois não se ouvia mais nada a não ser o silvo das cascavéis e o sibilar do vento.

Aí me vem a lembrança do que me contaram quando eu era criança. Certa feita um viajor depois de longa caminhada, procurou repouso no meio da mata. Fez um fogo, armou a rede e foi assar um pedaço de carne, quando surgiu de dentro de mato um negro magro, alto e de olhos vermelhos e esbugalhados. Mal deu boa noite e foi se acocorando junto ao fogo e sacou de dentre de uma mochila suja, um espeto com um bocado de lagartixa, sapo, aranha e outros insetos e começou a assar aquela coisa horrível. O viajante estava estarrecido sem fôlego para dizer uma só palavra. O negrão de vez em quando passava sua matutagem por cima do seu churrasco dizendo: “Pinga no meu que eu pingo no teu”. O viajante deu uma olhadela para conhecer seu companheiro de jantar, quando percebeu que ele tinha os pés de casco de cavalo. Não teve dúvida: estava diante do diabo em pessoa. Quando lhe veio uma idéia dessas que desce do além, como disse o poeta. Passou então sua carne por cima do assado macabro do demônio em forma de cruz. Foi a salvação. Ouviu-se um urro muito grande e cheiro de enxofre e se atirou pela mata adentro como se fosse um touro enfurecido. Deixou um rastro na mata que dava para passar um carro de boi. Quem passa por aquelas bandas ainda ouve em noite de lua cheia uns uivos de uma raposa vindo da direção que o bicho fugiu.

Esta veio por um pé de pinto e saiu por um pé de pato e o Rei, meu Senhor, mandou dizer que me contasse quatro.

Imagem: www.baixaki.ig.com.br


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